Despidos de Pátria
Nascemos sem país.
Cantamos alto um hino nacional mudo e hasteamos com orgulho uma bandeira feita de coisa nenhuma, cosida pela mão de ninguém.
Nascemos sem país.
O chão que pisamos é feito de incerteza e estamos à espera de saber para onde vamos a seguir. Já nos compraram o bilhete de ida, mas ainda nos estamos a formar. Já nos colaram os pés ao chão, mas ainda estamos a aprender a sonhar. Já nos disseram que não podemos ficar aqui. Este não é o nosso país.
Nascemos sem país.
Já fizemos as malas. Com a roupa arrumámos também a vontade de ficar e a esperança de encontrar na terra que nos viu nascer novas janelas por onde pudéssemos voar.
Na bagagem levamos o futuro.
Para trás ficam o medo, as memórias e a saudade de uma casa que afinal não nos pertence. Aqui, onde enrolámos uma palavra na língua pela primeira vez e onde aprendemos a balançar os pés no chão, onde nos fizemos homens e mulheres, onde vivemos, amámos e fomos felizes, aqui não é o nosso país. Aqui, onde escrevemos um futuro com bonecas, plasticina e carrinhos de brincar, aqui onde o tempo é ameno e o sol nos abraça, onde se fala a língua de Pessoa e se ouve cantar a saudade, aqui não é o nosso país. Nascemos sem país.
O nosso país é um qualquer. O nosso país é aquele onde estão a contratar alguém com as competências que nos deram neste algures que afinal não é nosso. Não interessa se lá faz tanto frio que não conseguimos sentir os dedos. Não interessa se não conseguimos perceber metade das palavras que lá dizem. Pouco ou nada importa se não é lá que estão os braços quentes da mãe e e o consolo do pai e se no Natal não conseguimos férias para ir ver filhos, mulheres e maridos. O nosso país é um qualquer, desde que nos garanta a sobrevivência quando o mês chega ao fim.
Choramos por nós e por quem se recusou a lutar pelo nosso direito de ter este Portugal.
Atiraram para o ar promessas meio desfeitas e sorrisos condescendentes, apareciam, volta e meia, de fatinho engomado e programa eleitoral na ponta da língua, garantiam que iam fazer tudo – tudo! – o que pudessem para tornar nosso este país.
Entretanto a coisa foi-se complicando, os nós apertaram e as estradas estreitaram, e dar-nos um país foi coisa que se tornou impossível. Cruzaram os braços e sacudiram-nos daqui para fora. Mas a culpa não foi deles. Já devíamos saber que nascemos sem país.
Temos o peito pesado de mágoa e um adeus já preso na língua. Os pés andam cansados de pisar chão incerto. Partir? Pois, que remédio. Se nascemos sem país não deve custar nada.
Ainda assim temos medo.
O medo não é partir. O medo é nunca mais voltar.